Moradores de Caetité e de Guanambi querem se livrar de carga que seria levada a unidade de urânio e cobram transparência dos órgãos governamentais envolvidos na operação
Por: João Peres, Rede Brasil Atual
Publicado em 16/05/2011, 17:30
São Paulo – A chegada de doze contêineres de conteúdo não informado colocou em polvorosa duas cidades do interior da Bahia. A população de Caetité, a 750 quilômetros de Salvador, recusou-se a receber a carga, que no domingo (15) migrou para a vizinha Guanambi, onde aportou sob igual desconfiança.
A movimentação teve início no meio da semana anterior, quando sindicatos de trabalhadores do Rio de Janeiro informaram que um comboio deixaria o interior de São Paulo com destino a Caetité, que abriga uma mina de urânio da Indústrias Nucleares do Brasil (INB). A informação repassada aos moradores é de que os caminhões chegariam transportando lixo radioativo criado na década de 1990 em Poços de Caldas, no interior mineiro.
A INB garante que se trata de uma carga de concentrado de urânio doada pela Marinha para compensar a queda na produção em Caetité, que opera a única unidade ativa deste minério da América Latina. Em nota, a estatal informa que o material foi transferido da paulista Iperó para ser embalado e depois enviado ao exterior.
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“Os órgãos de fiscalização não haviam prestado nenhum esclarecimento ao público sobre o que se tratava”, relata Gilmar Santos, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). “Dizem que a gente não tem evidências, mas ao mesmo tempo não conseguem comprovar que não tem lixo (contaminado) lá, não apresentam nenhum documento.”
A notícia de que o carregamento estava a caminho provocou alarme ainda maior porque, na memória dos moradores, a estatal vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia não é exatamente uma boa visitante. A INB chegou a Caetité em 1998 estimando haver uma reserva de 100 mil toneladas de urânio. O minério extraído ali é levado a Salvador e encaminhado à Europa, onde passa pelo processo de enriquecimento para abastecer as usinas nucleares Angra 1 e Angra 2. Em 2008, um relatório do Greenpeace indicou que a água consumida a partir de alguns poços de Caetité está comprometida por contaminação radioativa.
Desta vez, diante da informação de que os caminhões chegariam no domingo entre 19h e 21h, os moradores bloquearam a estrada e impediram que a carga passasse pelo interior da cidade, rumo ao distrito de Maniaçu, onde funciona a unidade de extração de urânio. O comboio recuou e rumou para a vizinha Guanambi, onde o caso foi registrado.
“Pegou todo mundo aqui de surpresa. Amanheceram essas carretas carregadas não se sabe com o quê”, reclama o prefeito Charles Fernandes (PP) em entrevista à Rede Brasil Atual. Ele afirma ter cobrado do governo estadual uma retirada da carga suspeita em até 48 horas. Caso isso não ocorra, ele promete acionar o Ministério Público. “Nós não temos nada a ver sobre de onde vem essa carga. Aqui é que não pode ficar.”
Na vizinha Caetité, a prefeitura garante que também foi surpreendida. Sem saber se a carga se trata ou não de lixo radioativo, a administração municipal busca esclarecimentos a respeito. “Estamos agendando reuniões com os órgãos competentes em Brasília para a devida interrupção (do comboio)”, garantiu o prefeito José Barreira em um comunicado.
Outras desconfianças
Representantes de movimentos sociais locais enviaram carta aos ministérios do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia, ao governador Jaques Wagner (PT) e ao presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A todos, eles cobram transparência na condução do caso e questionam se Caetité é um dos municípios que aceitaram receber lixo atômico criado pelo Programa Nuclear Brasileiro em troca de benefícios econômicos.
Uma reunião nesta segunda-feira (16) não foi suficiente para dissipar especulações. Vereadores de Guanambi e deputados estaduais afirmam ter entrado em contato com o governo estadual, mas a população continua desconfiada e a prefeitura quer se ver livre rapidamente dos contêineres. “Mais uma vez a empresa foi questionada sobre o teor do material, mas não chegou a informar do que se trata”, relata Gilmar Santos, da CPT. “Vamos permanecer em vigília. Se nenhuma medida clara for tomada, a população volta à rua.”
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