sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Um banho de chuva e democracia na abertura do FST 2012


Por: Samir Oliveira, do Sul21

Identificados por camisetas e bordões, os militantes disputavam no grito a possibilidade de cravarem suas mensagens no público (Foto: Ramiro Furquim/Sul21)
Porto Alegre - A avenida Borges de Medeiros, no centro de Porto Alegre (RS), verteu democracia na tarde de terça-feira (24). Por toda a sua extensão, desde o Largo Glênio Peres até a avenida Ipiranga, circularam mais de 20 mil pessoas com diferentes bandeiras nas mãos, mas ancoradas num mesmo ideal: o de que um novo mundo é possível.

O relógio da praça Montevidéu, em frente à prefeitura, marcava 16h40. E o termômetro informava que a Capital vivia sob um calor acachapante de 34 graus. Ali, ciclistas, militantes partidários, ambientalistas e integrantes de diversas ONGs se organizavam para acompanhar a marcha de abertura do Fórum Social Temático – nascido da costela do Fórum Social Mundial que movimentou Porto Alegre em 2001, 2002, 2003 e 2005.

No mesmo momento em que uma multidão esperava inerte a caminhada seguir seu rumo, outra parte já estava chegando ao viaduto com a rua Duque de Caxias. O fluxo era vivo, formado de energia pura. Seguia seu próprio ritmo, com avanços e solavancos repentinos. Praticamente uma alegoria para o progresso das causas defendidas pelos manifestantes.

A aglomeração de distintas centrais sindicais e partidos políticos – que pouco se misturavam em suas fileiras, assim como em suas ideologias e práticas – fazia da marcha quase um desfile de carnaval, onde cada escola tem sua vez. Identificados por camisetas e bordões, os militantes disputavam no grito a possibilidade de cravarem suas mensagens no público.

“Capitalismo nunca foi de quem trabalha”, bradava uma voz que saía do caminhão de som da Central Única dos Trabalhadores (CUT), enquanto, não muito distante, uma imensa faixa do PSTU acusava Dilma, Tarso e Fortunati de governarem ao lado dos patrões.

Na calçada e nas janelas dos edifícios, a população alheia ao evento se amontoava para tentar entender o que estava acontecendo. Enquanto o asfalto era dominado pelo cortejo a passos lentos, um grupo de jovens rasgava a calçada aos pulos com um brado que caía bem ao momento: “A juventude! Não abre mão! Do socialismo! E da revolução!”.
A dianteira da marcha apresentava uma coloração diferente. Os tons de vermelho e laranja dos partidos e das centrais sindicais cediam lugar ao roxo e ao verde.

Militantes de movimentos sociais distribuíam mudas de plantas aos pedestres e, logo atrás, simulavam o funeral da flora brasileira. O recado da faixa não deixava dúvidas e dava uma ordem à presidente da República. “Dilma, desligue a motosserra”, criticavam os integrantes de grupos ambientalistas, numa clara referência ao novo código florestal aprovado pelo Congresso e que ainda aguarda sanção — ou veto — do Palácio do Planalto.

Logo atrás, feministas empunhavam o roxo para exigir igualdade. “ Somos mulheres, não mercadoria!”, gritavam, sob o som animado de tambores. Na mesma linha, ONGs que defendem o direito dos homosssexuais desfraldavam a bandeira do arco-íris e exigiam “o fim da heteronormatividade”.

Como em todos os fóruns sociais que se realizaram em Porto Alegre – desde o primeiro, em 2001 –, os representantes políticos também se fizeram presentes.

Misturados à multidão, o governador Tarso Genro (PT), o vice Beto Grill (PSB), o presidente da Assembleia Legislativa, Adão Villaverde (PT) e o prefeito da Capital, José Fortunati (PDT), marchavam atrás de uma faixa que convocava para a reunião Rio +20 – encontro das Nações Unidas que discutirá mudanças climáticas.

Apesar de estarem distantes do aparato oficial, os políticos dificilmente passavam despercebidos. A profusão de câmeras e flashes que se amontoava em volta deles denunciava que não se tratavam de desconhecidos.

“Mira! Allá hay alguien importante”, apontava uma senhora, ao que outra lhe respondia, orgulhosa da informação: “Aquél és el gobernador”. Ouvir conversas em espanhol não era incomum no ambiente, onde traços faciais denunciavam a descendência e bandeiras de outros países, como Chile e Argentina, envolviam alguns manifestantes.

Apesar dos diferentes matizes ideológicos da marcha – que abrigava desde a centro-esquerda até os anarquistas -, apesar das muitas bandeiras e cores, apesar dos múltiplos brados que insistiam em reivindicar avanços na democracia brasileira, foi das nuvens que despencou o exemplo maior de igualdade.

Como não se via há muito tempo, uma chuva torrencial caiu sob o centro de Porto Alegre. O temporal deu uma aula de democracia: encharcou os ponderados e os radicais, os apartidários e os filiados, os governados e os governantes. Tarso, Villaverde e Fortunati ficaram tão ensopados quanto o resto do grupo. E, mesmo assim, continuaram.

A cada trovoada, aumentava o ânimo dos manifestantes, como se os pingos grossos lhes dessem energias para buscar um modelo alternativo ao capitalismo. Não havia onde se abrigar, e a própria imprensa, incluindo este que vos fala, ensopou seus pés, seus blocos, suas canetas e suas narrativas.

Apesar de intensa, a chuva durou pouco. Logo que a marcha chegou ao Anfiteatro Pôr-do-Sol, foi brindada pelo mesmo astro que lhe dá nome. Ainda sob protestos de alguns pingos que teimavam em cair, o sol recepcionou os integrantes do Fórum Social Temático, que se iniciava banhado de democracia.

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