segunda-feira, 21 de julho de 2014

A desesperadora crise do liberalismo norte-americano

Os EUA precisariam primeiro colocar sua casa em ordem, antes de promover os seus valores e instituições no exterior
por Emir Sader publicado 21/07/2014 15:56, última modificação 21/07/2014 16:46
DEPARTAMENTO DE ESTADO/EUA
John Kerry
Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, e o presidente do Curdistão Iraquiano, Masud Barzani. A difícil tarefa de semear conflitos e depois cortar gastos militares
Na década de 1930 as pessoas viajavam à Italia e à URSS e voltavam elogiando a eficácia de regimes autoritários, em comparação com as democracias. “Hoje as democracias vivem um período parecido de inveja e desânimo”, afirma o escritor e historiador canadense Michael Ignatieff, em artigo para o The New York Review of Books, reproduzido pelo Estadão. Os que viajam à China e se maravilham com o trem-bala entre Pequim e Xangai se perguntam na volta por que esses regimes conseguem construir ferrovias “enquanto as democracias levam 40 anos para decidir que não podem nem sequer começar”.
Segundo Ignatieff, que foi líder da oposição na Câmara dos Comuns de seu país até o início da década, pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria, o avanço do que ele considera como regimes de constitucionalismo democrático parou. Em todos os lados esses regimes se desgastam, enquanto os que ele considera autoritários avançam e servem como referencia para os outros. O modelo desses regimes autoritários seria o capitalismo de Estado, com “crescimento sem democracia”.
E, para piorar a situação para os regimes liberais, “os Estados Unidos oferecem um exemplo desanimador”, lamenta ele. “É difícil defender a democracia liberal com muito entusiasmo, quando ela funciona tão precariamente em casa.” Os EUA precisariam primeiro colocar sua casa em ordem, antes de promover os seus valores e instituições no exterior.
Hoje as grandes decisões que os EUA deveriam tomar estão bloqueadas pelos impasses entre o governo e o Congresso. Segundo um cientista político citado por Ignatieff, “os EUA mergulharam em guerras que não deveriam ser travadas e promoveram objetivos, como direitos humanos, democracia e construção nacional, que não poderiam realizar”.
Hoje, quando os EUA são demandados para atuar em várias frentes externas de maneira mais forte – Afeganistão, Iraque, Ucrânia, entre outros –, uma das poucas coincidências entre republicanos e democratas é a necessidade de cortar os gastos militares. O que significa: “Ficar fora de guerras ou desastres humanitários de outros povos; recusar-se a promover democracia ou direitos humanos em lugares onde eles não criarão raízes; obrigar aliados a arcar mais com o fardo de sua própria defesa; e desistir de moldar os bens públicos globais e a ordem política global”.
A crise de governabilidade indica, assim, para a renúncia da defesa de teses clássicas que o liberalismo norte-americana sempre pregou. Em seu último discurso importante, Obama já indicou seu objetivo de repatriar os militares, provavelmente com a vista posta nas eleições parlamentares de novembro, quando o governo pode perder completamente o controle do Congresso, ficando Obama relegado a ser um “pato manco” pelos dois anos que restariam de governo.
Ignatieff tem de aceitar que a proposta mais viável para desbloquear a situação interna dos EUA é a apresentada pelo Nobel de Economia Joseph Stiglitz, que propõe uma alíquota de imposto de renda de 40% para os que controlam os 25% superiores da renda nacional; uma alíquota de 20% para para os que detêm os 25% seguintes, com deduções fiscais para os 50% restantes. Além disso, impostos de 15% sobre os lucros corporativos e imposto sobre o consumo de 5%.
São propostas que violam o receituário liberal de menos imposto, elevando a captação de recursos pelo Estado para 26%, o que poderia resolver a crise fiscal do país, diminuir a gritante e crescente desigualdade social e estimular a retomada do crescimento econômico.
É um raio X da profunda crise do liberalismo norte-americano.

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