quinta-feira, 29 de maio de 2014

Isolado, Barbosa confirma saída sem saudações de ministros do STF

Só Marco Aurélio Mello se pronunciou sobre decisão do ministro. Nos gabinetes, anúncio era tido como certo desde segunda, e expectativa já está na 'era Lewandowski', saudada como mais serena
por Hylda Cavalcanti, da RBA publicado 29/05/2014 17:12, última modificação 29/05/2014 19:29
NELSON JR/STF
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Barbosa, durante a despedida, ressaltou o que considera o momento mais profícuo da Corte
Brasília – O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, iniciou a sessão desta quinta-feira (29) sorrindo, mas sem conseguir disfarçar o nervosismo para anunciar o que todos já sabiam e esperavam. Ele confirmou oficialmente que vai sair da presidência e deixar o tribunal – onde poderia ficar por mais onze anos – no início de junho. Alegou que os motivos são “de ordem pessoal”. “Me afastarei do serviço público após 41 anos. Quero agradecer e dizer que tive a felicidade de compor esta Corte no seu momento mais fecundo, de maior criatividade e importância no cenário político”, colocou. Como também era esperado, o anúncio não teve a saudação comum, seguida de reverências por parte dos demais ministros.
Tido como o mais polêmico dos presidentes do STF, ele só contou com os pronunciamentos de Marco Aurélio Mello e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para comentar a decisão. Escalado antecipadamente para falar, de forma estratégica diante da antipatia dos colegas por Barbosa, Marco Aurélio adotou tom lacônico. Nada de elogios, nada de dizer que o colega fará falta. “Meu sentimento pessoal, e sei que é compartilhado por todos, é que a cadeira do Supremo tem uma envergadura maior. Somos 11 pronunciando-se sobre a eficácia das leis e, por isso, é importante uma estabilização na composição do tribunal, mas, por outro lado, a saída espontânea é direito de cada um”, afirmou.
Mello lembrou a chegada do ministro ao STF, em 2003, e destacou a relatoria da Ação Penal 470. “Foi importantíssima para o país”, acentuou. Mas fez questão de passar um recado velado ao frisar que a AP foi julgada por todos os ministros, e não apenas Barbosa, que acabou centralizando decisões sobre os condenados nos últimos meses e bateu boca com colegas que discordaram de suas posições. “Com esse julgamento, o STF provou que o processo em si não tem cara e uma lei é uma lei para todos. A ação não foi julgada pelo presidente nem pelo relator, e sim pelo colegiado deste tribunal”, comentou, ao mencionar que agradecia a atuação dele no julgamento “até mesmo em função do seu estado de saúde”, numa referência ao problema crônico na coluna que acomete o ministro há anos.
Também manifestando-se com brevidade, Rodrigo Janot lembrou o ano de 1984, quando tomou posse no Ministério Público Federal ao lado de Barbosa e do também ministro Gilmar Mendes.

Surpresa do dia

Acostumado a surpreender em várias decisões, o ministro movimentou a manhã no Congresso Nacional e nos órgãos do Judiciário depois da divulgação do teor de conversa com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em clima de despedida. Contudo, sua saída teve como surpresa apenas o dia escolhido, já que era dada como certa desde o início da semana entre os ministros do STF.
“Aguardávamos que fosse anunciada no início do recesso, no mais tardar. Não hoje exatamente, mas era esperada”, confirmou um dos ministros, acrescentando que o clima tenso existente na mais alta Corte do país passou a ficar mais apimentado depois da revogação da autorização para que os condenados na AP-470 a regime semiaberto pudessem trabalhar.
Barbosa teria comentado a intenção com pessoas próximas e vinha se queixando que estava sem estímulo para presidir as sessões até o final da gestão como presidente, que acaba em setembro. Porém o que teria levado à antecipação foram as críticas cada vez mais fortes à sua conduta por parte dos próprios colegas (só Marco Aurélio Mello defendeu a decisão de revogar a autorização de trabalho na AP-470) e associações de magistrados e advogados.
Outra versão é de que o ministro teria analisado o momento como o mais propício para a saída. “Deixando o STF, agora ele fica como vítima. Muitas pessoas vão dizer que foi um herói que lutou para prender os corruptos e saiu porque não conseguiu. Ele sabe jogar muito bem para a plateia e calculou o período como ideal”, enfatizou um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para quem as próximas eleições devem contar com a participação de Barbosa não como candidato, mas dando declarações e apoio a algum dos presidenciáveis – a mesma visão defendida por um colega de STF.

'Saída precoce'

No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde estão vários dos principais assessores de Joaquim Barbosa, que também é presidente do órgão, o clima era de novidade. Muitos conselheiros chegaram até a ligar para os gabinetes e a secretaria geral para perguntar se era verdade. “Não esperávamos. Foi uma saída precoce, em razão dos trabalhos que estão sendo realizados, mas esperamos dar continuidade aos projetos”, destacou o conselheiro Gilberto Valente Martins.
Criado para ser o órgão de controle do Judiciário brasileiro, o CNJ viveu momentos de divisão durante a presidência de Barbosa. Um dos principais motivos disso diz respeito ao programa de mutirões carcerários, que acompanha a execução criminal no país, as decisões dos juízes e percorre os presídios para ver como são cumpridas as sentenças.
A decisão do ministro a respeito do trabalho para os condenados ao regime semiaberto e a interpretação que deu à Lei de Execução Penal, principalmente no caso do ex-ministro José Dirceu, foi totalmente contrária ao que vinha sendo defendido pelo conselho desde a sua existência e causou desconforto entre conselheiros e juízes auxiliares.

Terceira renúncia

Joaquim Barbosa, com o anúncio, passa a registrar, assim, a terceira renúncia a um cargo público. Inicialmente, em 2003, renunciou ao Ministério Público Federal para ser empossado como ministro do STF. Em 2009, renunciou ao cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em razão de problemas de saúde. “Parece ser mais uma característica de sua personalidade turbulenta”, comentou um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ao longo da passagem pelo STF, o ministro colecionou desafetos. Chamou, durante uma briga no cafezinho, o então colega Eros Grau, hoje aposentado, de “velho caquético”. Também disse ao ministro Gilmar Mendes, quando presidente do tribunal, para “ir às ruas e ver o que o povo estava achando”, depois de afirmar que ao falar com o plenário, Mendes não estava falando “com seus capangas do Mato Grosso”.
Por fim, travou sérios embates com o ministro Ricardo Lewandowski, que o sucederá na presidência, durante a AP-470, muitas vezes com atitudes que levaram outros ministros a defenderem Ricardo Lewandowski.
Num dos casos mais conhecidos, acusou o colegiado de fazer chicana durante o julgamento dos embargos infringentes à AP 470 (que no jargão jurídico significa tentar atrasar o julgamento). Além disso, destratou jornalistas e chegou a mandar um repórter “chafurdar no lixo” as informações que queria.
A atuação de Joaquim Barbosa foi tão combatida que levou o ministro Cesar Peluzo, que tinha por hábito repetir a frase de que um magistrado deveria limitar-se a falar apenas pelos autos a quebrar a própria regra e, durante a última entrevista antes da aposentadoria, em 2012, declarar que ele não se sairia bem como presidente do tribunal por ser “um recalcado”.
Nesta manhã, a maioria dos críticos de Barbosa preferiu o silêncio. Nos ministérios e em alguns gabinetes dos tribunais superiores, no entanto, a saída foi comemorada com uma frase repetida inúmeras vezes ao longo do dia: “que venha a era Lewandowski”, em referência à postura e ao temperamento diferente do ministro que o substituirá.

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