sábado, 24 de agosto de 2013

Padilha diz que não aceita preconceito contra médicos estrangeiros: 'Vamos até o fim'

Ministro da Saúde lamenta ameaça de entidades de classe: 'Nós, médicos, quando nos formamos temos um compromisso com a vida e com a ética'. De hoje até domingo, chegam 244 profissionais
por Redação RBA publicado 23/08/2013 19:02, última modificação 23/08/2013 19:12
VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
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A espanhola Sonia González, que deixou Portugal para atender a população indígena no Amazonas
São Paulo – O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou hoje (23) lamentar o preconceito contra médicos estrangeiros, em especial os cubanos, que chegam ao país por meio do programa Mais Médicos. “Não admitimos, e não faz parte da cultura brasileira ter preconceito com relação a qualquer país e a qualquer povo. A medicina de Cuba é reconhecida, sobretudo na atenção básica. Esse contrato do Ministério da Saúde é com a Organização Pan-americana de Saúde, ou seja, um braço da Organização Mundial de Saúde aqui nas Américas”, disse, durante entrevista coletiva no Aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília, onde ele recebeu a primeira leva de profissionais estrangeiros que vão atuar em cidades do interior do país.
Na capital chegaram 23 médicos que passarão por três semanas de treinamento para, em seguida, serem encaminhados a municípios da Amazônia. No total, entre hoje e domingo (25) chegarão 244 profissionais formados no exterior, e que se inscreveram para a primeira etapa do programa. A previsão do Ministério da Saúde é de que eles comecem a atuar em 16 de setembro.
A médica espanhola Sonia González foi uma das recepcionadas por Padilha em Brasília. Ela trabalhou nos últimos dez anos em um centro de saúde no interior de Portugal, e agora vai a uma comunidade indígena no Rio Negro, no Amazonas. “É mais para aprender. Ter uma nova experiência em um lugar muito diferente ao meu”, disse, com sotaque português. “Estou ao mesmo tempo emocionada, com algum medo, claro, do desconhecido, mas com muita vontade de trabalhar, de ter uma nova experiência.”
A avaliação dos profissionais com diplomas no exterior será realizada nas cidades de Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife e Fortaleza. Nas próximas semanas eles ficarão em alojamentos, e os custos com alimentação serão bancados pelo governo federal.
Desde que o programa foi lançado, em julho, entidades de classe adotaram postura contrária. Inicialmente, alegava-se que a vinda de profissionais formados no exterior sem a revalidação do diploma colocaria em risco a população. Depois disso passou-se a argumentar que o verdadeiro problema da saúde no Brasil é a infraestrutura, e não a falta de profissionais.
Questionado a respeito da oposição ao Mais Médicos, Padilha respondeu que não há possibilidade de recuar. “Vamos até o fim. O que nos move é levar médicos aonde não existem médicos. Tenho a experiência de ter saído de São Paulo, ter ido para o interior da região amazônica brasileira, e sei a diferença de um médico perto do paciente, perto da comunidade.”
Esta semana o governo anunciou a vinda de até 4 mil médicos cubanos até o fim do ano. Já na próxima semana chegarão 400 profissionais, que também passarão por três semanas de treinamento. O acordo firmado entre o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde visa a garantir atendimento aos 701 municípios que não despertaram o interesse de nenhum profissional inscrito no Mais Médicos.
O presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, João Batista Gomes Soares, disse hoje que vai orientar os médicos brasileiros a não socorrer pacientes atendidos por cubanos em caso de dificuldade. “Se ouvir dizer que existe um médico cubano atuando em Nova Lima, por exemplo, mando uma equipe do CRM-MG fiscalizar. Chegando lá, será verificado se ele tem o diploma revalidado no Brasil e a carteirinha do CRM-MG. Se não tiver, vamos à delegacia de polícia e o denunciamos por exercício ilegal da profissão, da mesma forma que fazemos com um charlatão ou com curandeiro”, afirmou. O exercício ilegal da profissão está previsto no artigo 47 do Código Penal, e resulta em prisão de 15 dias a três meses.
“Toda crítica e sugestão para melhorar o programa é muito bem-vinda. Qualquer medida de ameaça, qualquer medida que possa prejudicar a população, só lamento. Nós, médicos, quando nos formamos temos um compromisso com a vida e com a ética, e esse compromisso é em qualquer situação”, rebateu Padilha.
A maioria das cidades (68%) apresenta os piores índices de desenvolvimento humano do país (IDH muito baixo e baixo) e 84% estão no interior do Norte e Nordeste em regiões com 20% ou mais de sua população vivendo em situação de extrema pobreza.
O ministro disse que o acordo firmado com a Opas respeita os critérios exigidos pela OMS, de que seja garantido o cumprimento da legislação trabalhista, cível e penal nos países de origem e de destino. Mas, na visão das entidades de classe, o fato de os médicos cubanos serem remunerados diretamente pelo governo da nação caribenha, e não pelo governo federal, constitui uma infração trabalhista.
“A presença da Organização Pan-americana de Saúde é uma grande segurança para que todas as condições de trabalho estejam garantidas”, afirmou Padilha. Um procurador do Ministério Público do Trabalho chegou a afirmar que iria pedir a revogação do convênio entre governo e Opas, por considerar que o pagamento intermediado pelo governo de Cuba viola a legislação trabalhista e a Constituição brasileiras.
Mais tarde, o procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo, esclareceu que ainda não tem informações sobre o contrato, e que irá solicitá-las na segunda-feira à Advocacia-Geral da União. Ele fez questão de dizer que descarta a configuração de trabalho escravo que algumas entidades de classe desejavam dar ao acordo entre Brasil e Cuba. “Não há nem a prestação do serviço para a constatação desse regime de trabalho. O trabalho escravo é uma forma muito bem tipificada em lei”, disse.
O procurador-geral disse que a Constituição prevê que a contratação para prestação de serviços públicos deve ser feita por meio de concurso público, mas que a Carta Magna também prevê outras formas de contratação, nas quais o convênio firmado com os médicos cubanos pode, ou não, estar enquadrada. “Se houver desrespeito à lei trabalhista vamos tomar as medidas cabíveis. Não posso dar conclusões sem ter elementos. Vamos observar os termos do contrato e, a partir daí, ver o que está sendo negociado.”
No Rio de Janeiro, os primeiros dos 68 médicos selecionados começaram a chegar na tarde de hoje: dois que atuavam na Rússia, 11 em Portugal, dois brasileiros que trabalhavam na Argentina e um argentino. Até domingo chegam voos da Espanha, do Uruguai e da Itália. Em São Paulo, desembarcaram um argentino e dois brasileiros, e até domingo serão 47 profissionais.
A argentina Natalia Allocco, de 26 anos, contou que sempre trabalhou em postos de saúde e hospitais públicos em seu país e que veio ao Brasil justamente para isso: trabalhar em comunidades mais carentes. O brasileiro Christian Uzuelli, 32 anos, é especializado em medicina legal e ciência forense e fez especialização na Europa. Thiago da Silva, 32 anos, que se formou na Argentina, vai trabalhar em Itaquaquecetuba (SP). O pediatra, que nasceu em São Paulo, está entusiasmado com a oportunidade de trabalhar em Francisco Morato (SP). “Eu vim com muita força e com muito entusiasmo para oferecer o melhor de mim para essa população carente”.

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