quinta-feira, 23 de maio de 2013

Especialista comenta a Política Nacional de Resíduos Sólidos


Mercado Ético
Mesmo chegando com 20 anos de atraso, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – criada em 2010 para solucionar a questão do lixo no país – enfrenta problemas em sua implementação. A lei previa para o começo de agosto de 2012 a entrega, por todos os municípios, de seus planos de gestão de resíduos. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), apenas 10% das cidades o fizeram.
Por outro lado, iniciativas isoladas de logística reversa já mostram bons resultados. Alguns exemplos estão na cadeia de valor dos agrotóxicos e das latas de alumínio.
O que fica claro é que mecanismos de logística ainda terão de ser desenvolvidos em todas as esferas de governo, mercado e sociedade para definir como o produto retorna à cadeia produtiva para ser reciclado, reutilizado ou ter seu descarte final. Segundo cálculos do Ministério do Meio Ambiente, a falta de gerenciamento desses resíduos representou em 2011 um desperdício de cerca de R$ 8 bilhões. Em bom português, estamos jogando dinheiro no lixo.
Abaixo, Leandro Eustáquio, gerente do Departamento Ambiental do Escritório Decio Freire & Associados e professor de Direito Ambiental do IEC-PUCMINAS, comenta sobre a implementação da nova Lei e o seu risco de “não pegar”.
Mercado Ético - Como você avalia a Política Nacional de Resíduos Sólidos?
Leandro Eustáquio -Avalio com muitos bons olhos. A Lei 12.305, que tramitou por quase 20 anos, veio em boa hora. Ela dispõe sobre temas interessantes, como as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público, e aos instrumentos econômicos aplicáveis. É uma orientação para que se faça a gestão adequada dos resíduos sólidos. Entre os temas mais controversos, a Lei trata da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.
ME – Um dos grandes entraves à implementação da PNRS parece ser a letargia das prefeituras em preparar um plano de implementação dessa lei. Na sua opinião, isso se deve à incompetência do poder público ou há outros gargalos nesse processo?
LE – A Lei 12.305 estabeleceu o prazo de dois anos para que os municípios elaborassem o respectivo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos. Esse prazo terminou há quase seis meses, em 2 de agosto de 2012. E a elaboração do plano municipal é condição para que não apenas os municípios, como também para o Distrito Federal e os Estados tenham acesso a recursos da União, ou por ela controlados, destinados a empreendimentos e serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos sólidos, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou fomento para tal finalidade. Ou seja, quem não fez o plano no prazo previsto está perdendo dinheiro!
Não pode ser esquecido que 2012 foi ano de eleições Municipais. Prefeitos e vereadores estavam envolvidos com todo o processo eleitoral. Isso foi um equívoco do legislador. Ele poderia ter se antecipado e evitado qualquer desculpa nesse sentido, de que foi ano eleitoral e por isso a exigência não pode cumprida.
De qualquer forma, qualquer que fosse o prazo estabelecido, um dia ele chegaria e as obrigações previstas em lei já deveriam estar cumpridas.
ME – O analista de infraestrutura da SRHU, Eduardo Rocha Dias Santos, disse que apenas a lei 12.305/2010, que institui a PNRS, não é suficiente para se implementar tudo o que se deseja. Você concorda com ele? Por que?
LE – Concordo. A própria Lei 12.305 reconhece isso. Tanto que em seu artigo 5º, a lei se diz integrada à Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), e articulada com a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei 9.805/99) e com a Política Federal de Saneamento Básico (Lei 11.445 de 2007). Para que ela seja efetivada, tanto o poder público,  o setor empresarial e a coletividade devem assumir suas responsabilidades e adotar ações voltadas para assegurar a observância da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ou seja, o legislador já se antecipou a essa afirmação. A responsabilidade não é exclusiva do Poder Público. Todos, de alguma forma, têm responsabilidade nisso.
Dou-me como exemplo. Não de um exemplo do que se deve fazer, antes o contrário, exemplo do que não se deve fazer. Casei-me em setembro último e, como se sabe, quem casa, quer casa. Mudamos para um prédio recém construído. Como o prédio era novo, ainda é, a quantidade de lixo, seja por causa das reformas ou da mudança propriamente dita, é gigante. E em nenhum momento, até o que me conste, eu, o Condomínio, o Síndico, enfim, preocupamo-nos em instituir uma coleta seletiva ou coisa do tipo. A Lei fala que a responsabilidade também é minha, afinal sou gerador de resíduos sólidos, como você, como o nosso leitor também o é. Não posso ficar colocando a responsabilidade apenas no poder público ou no fornecedor do que eu consumo.
ME – Uma das propostas para fazer com que a PNRS funcione é estabelecer uma responsabilidade compartilhada na cadeia de gestão de resíduos sólidos. Acha que essa é uma ideia boa e viável. Como funcionaria na prática?
LE – Olha só: a responsabilidade compartilhada já acontece e dá certo, talvez por outros motivos, em outros segmentos. É o caso dos agrotóxicos, por exemplo. O consumidor tem que devolver o produto que compra para o fornecedor. É obrigação prevista em lei desde 1989, pelo menos.
A lei e o decreto que a regulamentam falam em acordos setoriais. Acordo nem sempre são estabelecidos rapidamente. Temos que dar tempo ao tempo. De toda forma, é importante pensar o seguinte: o ciclo de uma cadeia de consumo tem por destinatário final o consumidor. Fazendo a inversão desse ciclo, se o consumidor – e o consumidor somos nós – conscientizar-se dessa gestão compartilhada, ele vai começar a exigir do fornecedor a respectiva adequação. Como o fornecedor não sobrevive sem o consumidor, vai atender o que determina a legislação. Essa é a finalidade da logística reversa. Não podemos é ficar pensando que a gestão compartilhada tem que começar exclusivamente pelo fornecedor ou que tem que ser uma atitude apenas dele.
Enquanto isso não acontece, na prática teremos, como já estamos tendo, atitudes isoladas de uma ou de outra empresa, de um ou de outro cidadão. O problema é que o tempo está passando.
ME – Há também um grupo de especialistas que teme que lei não pegue, como vive acontecendo neste país. O que fazer para que isso não ocorra?
LE – Esse negócio de Lei “Ney Mato Grosso” é complicado. Sabe aquela música “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”? Acho que é mais ou menos isso. O risco dela não pegar já existe. Sentimos isso há muito tempo. Semana passada reuni-me com uma ex-aluna minha que me falou da cidade dela, com pouco mais de 40 mil habitantes. Enchentes assolam o município. Pois então, se a lei não pegar, o lixo pega, disso eu tenho certeza. Prefiro que a lei pegue. Tenho que lutar para isso. Sozinho eu não salvo o mundo, mas tento dar meu recado, ao menos salvar a mim mesmo. Assumo aqui o compromisso de fazer tantas quantas palestras forem necessárias sobre a Política Nacional dos Resíduos Sólidos em 2013. É o mínimo que eu posso fazer.
(Mercado Ético)


Nenhum comentário:

Postar um comentário