quinta-feira, 14 de junho de 2012

Ruralistas querem facilitar a compra de terras brasileiras por estrangeiros



Conteúdo da declaração de voto da bancada do PT na Comissão de Agricultura da Câmara, após o pedido de vistas ao relatório do deputado Marcos Montes, feito pelo deputado federal Valmir Assunção.

Neste dia 13/6, esteve na pauta da reunião ordinária da Comissão de Agricultura o Relatório 4/2012 sobre os resultados da Subcomissão destinada a analisar e propor medidas sobre o processo de aquisição de áreas rurais e suas utilizações, no Brasil, por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras- Subestra.  A análise de mérito do Relatório e dos procedimentos políticos que o geraram, somado ao relatório vencedor apoiado pela bancada ruralista, impôs ao Partido dos Trabalhadores a condenação da propositura.
De início, cumpre louvar os esforços do Deputado Beto Faro, autor da proposta de criação da Subcomissão e seu Relator originário. Cumprindo o plano de trabalho aprovado de forma consensual pelos integrantes da Subcomissão, e atuando em comum acordo com o Presidente Homero Pereira, o então Relator contribuiu ativamente para oferecer aos membros da SUBESTRA, a oportunidade de compreensão das múltiplas dimensões estratégicas associadas à temática do acesso à terra, no Brasil, por pessoas estrangeiras. Para tanto, ao longo do período de funcionamento da Subcomissão, foram realizadas diversas audiências públicas com autoridades governamentais, técnicos, estudiosos, lideranças dos movimentos sociais, e de entidades empresariais.

Com o intuito de incluir no Relatório, proposição de Lei sobre a matéria que refletisse a média das visões e interesses a respeito, sem prejuízo da garantia de marco regulatório minimamente razoável para a temática em apreço, o Relator original acolheu, integralmente ou em parte, cinco das sete Emendas apresentadas na Subcomissão.
Complementarmente, sempre em articulação com a presidência da Subcomissão, e após insistentes tratativas, obteve a manifestação do governo sobre o esboço da proposta de legislação cujas sugestões foram incorporadas ao texto do anteprojeto.
Após esse longo período de oitivas, diálogo e negociações que se estendeu de outubro de 2011 a maio de 2012, eis que, de última hora, o Deputado Marcos Montes protocolou Substitutivo ao Relatório do Deputado Beto Faro, com o apoio, inclusive, do Presidente da Subcomissão que durante todo pareceu apoiar e estimular o trabalho do Deputado Beto.

Em suma, o empenho do primeiro Relator foi ignorado e seu Relatório ‘tratorado’ para usar o termo da duvidosa brincadeira feita em público pelo Deputado Abelardo Lupion, antecipando o resultado da sessão da SUBESTRA que aprovou o Substitutivo do Deputado Marcos Montes.
O texto da proposta de Lei apresentado pelo ilustre parlamentar, ainda que certamente de forma não deliberada, coloca os interesses de setores empresarias internacionais acima dos valores da soberania nacional; confronta os interesses dos agricultores do país; e mostra-se indiferente às ameaças de aprofundamento ainda maior do grau de concentração da terra no Brasil, inclusive, para fins especulativos.

Na contramão das tendências mundiais, a proposição em comento defende a plena abertura do território rural brasileiro para a apropriação por estrangeiros, em desafio político ao presente momento histórico e suas projeções. Não estabelece limite de área para a aquisição e o arrendamento das áreas rurais por estrangeiros, e sequer impõe a aprovação prévia, pelo Poder Executivo, dos projetos a serem implantados. Significa, por exemplo, que uma empresa estatal de outro país, convertida em nacional pelas permissividades da proposição, a seguir explicitadas, poderá se apoderar de áreas gigantescas no Brasil para servir às necessidades da segurança alimentar da sua população. Alienaríamos, para o exterior, o poder decisório sobre o que, quando e onde produzir.

De uma breve análise da propositura destacamos, ainda, os seguintes pontos:

1.            No plano das restrições, exige que os empreendimentos cumpram o óbvio, ou seja, que observem a norma constitucional, e que, igualmente, cumpram o protocolo exigido pelo Código Civil relativo à autorização, pelo governo, para o funcionamento de qualquer empresa estrangeira no Brasil. Não se aplica às pessoas físicas;
2.            O único limite objetivo previsto no anteprojeto diz respeito à proibição, já prevista na atual legislação, para que os estrangeiros adquiram ou arrendam área superior a ¼ da superfície dos municípios, sendo que, neste limite, pessoas da mesma nacionalidade não poderão deter mais de 40%;
3.            Veda a compra de terras por ONGs e Fundações estrangeiras e por Fundos soberanos. Todavia, as proibições têm validade apenas para discursos à medida que pela proposição, uma empresa com 0.1% de capital nacional, e o restante, estrangeiro, passa a ser considerada empresa brasileira estando, portanto, livre para a

compra de imóveis rurais no país em quaisquer dimensões. Uma indagação ao ilustre autor do Relatório: qual a dificuldade para uma empresa ou ONG estrangeira usar um ‘laranja’ brasileiro com 0.1% de capital nacional e se transformar em empresa brasileira? Essa definição, pelo Relatório do Deputado Marcos Montes, agride a norma constitucional que levou à revisão, pela AGU, em 2010, da excepcionalidade vigente à época, na interpretação da Lei nº 5.709, de 1971, que livrava das restrições para a compra de terras no nosso país, as empresas nacionais controladas por estrangeiros. Prevalecendo a proposição em referência, será jogada no lixo toda a reflexão da AGU sobre o texto constitucional e das circunstâncias internacionais, que resultaram na edição do Parecer LA-01/2010, aprovado pelo Presidente da República, com força vinculante para a administração federal.
4.            O §1º, do art. 3º da proposição, simplesmente habilita para a compra de terras no Brasil as companhias de capital aberto com ações negociadas em bolsa de valores em qualquer lugar do mundo. Ou seja, proíbe as ONGs, mas abre o território do Brasil para empresas que apostam na especulação mundo afora;
5.            No rol de fragilidades da proposta, o art. 4º veda o arrendamento por tempo indeterminado, mas sem fixar esse prazo que poderá ser de 300 anos, por exemplo;
6.            O art. 5º contém outra ‘pérola’. Traduzindo, o seu texto diz que, quando uma empresa estrangeira (Bunge, por exemplo), financiar um produtor rural tendo como garantia a hipoteca da terra, caso esta venha a ser executada, a empresa terá 1 ano para alienar o imóvel; do contrário, a terra retorna ao seu proprietário original desconstituindo-se a garantia. Além de uma inovação jurídica que fere direitos garantidos pela Constituição, vale perguntar: neste cenário institucional, qual a empresa ou banco estrangeiro que se disporia a financiar um agricultor brasileiro?
7.            No art. 16, a proposição revoga a Lei nº 5.709, de 1971, e convalida as aquisições e os arrendamentos celebrados por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras durante a sua vigência. Em outros termos, define que essa Lei nunca existiu, e que as restrições impostas para a compra de terras no Brasil, de 1971 a 1999, por empresas estrangeiras, e para as pessoas físicas desde 1971, não passaram de uma brincadeira. Para quem reclama de segurança jurídica no campo não poderia haver exemplo mais contraditório.

Com toda a consideração ao Deputado Marcos Montes e aos demais parlamentares que apoiaram o seu Relatório, penso que a visão expressa na propositura não se coaduna com a defesa dos interesses do Brasil e, em especial, dos agricultores nacionais. Neste caso, como assim revelam as manifestações observadas entre grandes agricultores do próprio estado Mato Grosso, de origem do Presidente da Subcomissão, contrárias às liberalidades no acesso à terra por estrangeiros.

Um rápido sumário do pano de fundo desse debate nos leva a considerar que desde a crise econômica de 2008, as concepções até então dominantes, doutrinariamente inspiradas na sobreposição das forças do mercado aos contrapesos regulatórios, sucumbiu diante das evidências sobre as origens da crise, justamente associadas ao acúmulo de sequelas das ideias neoliberais.

A partir daquele momento os debates nos fóruns multilaterais e no âmbito das instituições dos países desenvolvidos têm sido centrados no imperativo da regulação do capital financeiro e dos mercados de alimentos. E, especificamente nos países ricos e alguns emergentes, discute-se a ampliação da proteção das economias e do emprego domésticos. Não é à toa que, na atualidade, sequer se comenta a respeito da retomada das negociações, na OMC, pela liberalização do comércio internacional.

Creio que, no mínimo, estaria na direção oposta desse movimento contemporâneo global, a pretensão de liberalização da aquisição de terras por estrangeiros no Brasil conforme o perfil da proposição em análise. Afinal, estamos tratando do controle de um recurso absolutamente estratégico para o presente e o futuro do nosso país: a terra e, derivadamente as florestas, os recursos naturais em geral e, do subsolo, em particular. Os movimentos especulativos com a terra conduzidos por diversas frações do grande capital internacional estão organicamente relacionados com os movimentos especulativos com os alimentos e os negócios nos mercados voluntários de carbono, alvo dos membros do G20 em torno de um aparato regulatório em escala global.

Portanto, entendo que assim procedendo estaríamos incorrendo em opção de alto risco para a segurança alimentar da população brasileira, para a proteção da nossa biodiversidade e, de resto, para o controle soberano sobre o nosso território e sobre imenso capital natural deste país.

Cumpre sublinhar que, em particular, as razões elencadas pelo Deputado Marcos Montes para justificar a sua proposição, relacionadas ao potencial de investimentos estrangeiros no campo brasileiro de forma alguma seriam cerceadas com a proposição do Deputado Beto Faro. Nesta, são previstos limites de áreas e outros controles para as operações de aquisição de terras por estrangeiros. Todavia, delega ao Congresso Nacional a possibilidade de ampliação desse limite, observados os interesses maiores do país. Qualquer empreendimento estrangeiro sério em execução no Brasil, integrado às estratégias nacionais, jamais deixaria de ser apoiado por este parlamento em caso de necessidade de adicional de área para a expansão do projeto.

Enfim, ante o exposto, a Bancada do PT na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural declarou o voto contrário ao Relatório 4/2012 referente às conclusões adotadas pela da Subcomissão destinada a analisar e propor medidas sobre o processo de aquisição de áreas rurais e suas utilizações, no Brasil, por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras -SUBESTRA.

Valmir Assunção é vice-líder do PT e coordenador do Núcleo Agrário do partido na Câmara.


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