domingo, 27 de maio de 2012

Contra a guerra fiscal entre os estados, comissão proporá “compensação cruzada”

Ricardo Westin

As relações dentro da Federação estão estremecidas. Estados brigam com estados, e estados brigam com a União. O que está em disputa é dinheiro — cada um luta com unhas e dentes por um pedaço maior do bolo dos recursos públicos.
Há o dinheiro do Fundo de Participação dos Estados, fatiado entre os 27 governos. Há o dinheiro da dívida que os estados têm com a União.
Há o dinheiro do ICMS, o imposto que representa a principal fonte de receita dos estados. E há o dinheiro cobrado das empresas de petróleo (os royalties) e repartido entre União, estados e municípios.
Nas quatro situações, fórmulas levam ao quinhão que cabe a cada estado e à União. No passado, satisfaziam todas as partes. Com o tempo, ficaram obsoletas. Hoje até provocam prejuízos.
Diante dessa situação, os entes da Federação buscam avolumar seus quinhões a todo custo. Alguns exageram nas isenções de ICMS para atrair empresas e investimentos. Outros entraram na Justiça para que a partilha do Fundo de Participação lhes fosse mais favorável.

Irmão contra irmão
É legítimo o desejo de dinheiro. Sem ele, afinal, não se constroem hospitais, escolas, estradas. Sem ele, a máquina pública não anda.
O problema é que, para que um estado ganhe, outro estado (ou a União) precisa perder. Nas palavras do advogado tributarista Ives Gandra Martins, um dos estudiosos da questão, o Brasil hoje é palco de uma "luta fratricida" (irmão que mata irmão).
O Senado quer pôr fim a essa briga. Para isso, pediu a ajuda de 14 especialistas de renome, como Nelson Jobim (ex-presidente do Supremo Tribunal Federal), Everardo Maciel (ex-secretário da Receita Federal), Adib Jatene (ex-ministro da Saúde) e o próprio Ives Gandra Martins.
Por meio de um ato assinado pelo presidente do Senado, José Sarney, os 14 foram incumbidos de propor novas regras para o pacto federativo — fórmulas que corrijam o fluxo do dinheiro público que vai para cada estado e para a União.
A quarta reunião do grupo está marcada para hoje.
Para que os quatro pontos de discórdia sejam solucionados, é preciso que o Congresso Nacional aprove novas leis. A ideia do Senado é alicerçar-se nas sugestões que serão apresentadas por essa comissão de especialistas e elaborar os projetos de lei necessários.
Nenhum desses temas é novo no Congresso. Não faltam projetos que proponham mudanças nas regras do Fundo de Participação dos Estados, das dívidas estaduais, do ICMS e dos royalties do petróleo. ­Senadores e ­deputados já estão debruçados sobre eles.
Eles, porém, não equacionariam os problemas. Por terem objetivos muito específicos, as propostas em tramitação no Congresso não levam em conta o amplo universo do pacto federativo.
O Senado optou por montar uma comissão de especialistas porque crê que a melhor solução só será encontrada se os quatro pontos forem discutidos ao mesmo tempo, e não um a um.
Exemplo: graças à visão global que tem da situação, a comissão poderá sugerir que um estado perca royalties do petróleo e, como compensação, ganhe uma fatia maior do Fundo de Participação.
— Quando tratamos os temas individualmente, acabamos criando ganhadores e perdedores. Ninguém quer isso. Quando tratamos dos temas em conjunto, conseguimos fazer compensações cruzadas, mitigar prejuízos — explica Everardo Maciel.
Novas regras para o ICMS acabam de ser aprovadas pelo Senado. Valerão a partir de 2013. Mas isso não impede que, no novo arranjo federativo, os especialistas sugiram outras regras, que substituam as recém-fixadas.
Quebra-cabeça
Uma meta que norteia o pacto federativo é a redução das desigualdades regionais do Brasil. O dinheiro, por isso, não pode ser distribuído por igual. Deve favorecer regiões carentes.
Isso cria um quebra-cabeça complexo: a comissão tem de apresentar um cenário em que, no cômputo final, os estados carentes recebam mais dinheiro e, ao mesmo tempo, os ricos não percam. O que se dá como certo é que em certas situações a União terá de abrir mão de parte de seus recursos em favor dos estados, para anular-lhes (ou ao menos reduzir-lhes) eventuais perdas.
A opção pelos especialistas tem uma segunda motivação. O Senado deseja redigir seus projetos de lei sobre um alicerce técnico, neutro. Quando um senador ou deputado redige um projeto, ao contrário, é natural que favoreça seu estado. Gandra Martins resume:
— Não temos compromisso com nenhum lado. O que buscamos é a pacificação, o fim da luta fratricida.
Jornal do Senado

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