Brasília – O Poder Legislativo, em tese, deveria ser ocupado por todos os representantes do povo. Deveria, porque não é bem assim que o Congresso Nacional tem sido preenchido nos últimos anos e que terá vagas ocupadas em 2015. Segundo estudo divulgado ontem (19) pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em seminário que reuniu várias entidades que integram a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, é pequeno o número de candidatos negros, mulheres, indígenas e jovens nestas eleições. E o percentual de candidaturas por parte de representantes desses grupos apresenta desproporções em relação ao peso deles como eleitores.
O trabalho, realizado a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), consiste no primeiro mapeamento étnico-racial sobre as candidaturas de minorias registradas no processo eleitoral brasileiro até hoje. E mostra, na avaliação das entidades que discutiram os dados, a importância de ser modificado o atual sistema político brasileiro.
Conforme os resultados apresentados, existem 25.919 candidatos que concorrem a 12 cargos por 32 partidos nestas eleições. Das candidaturas, somente 8.008 (ou 30,09% ) são mulheres, frente a 51,04% do total do eleitorado. Mesmo a distribuição das candidaturas por partido acompanha esse desequilíbrio, que apenas cumpre a definição legal de cotas mínimas, de 30% para candidatas do sexo feminino.
Já no tocante à questão racial, a maioria continua composta por homens brancos (38,6%), seguidos por homens negros e pardos (30%), e depois por mulheres brancas (16,5%), mulheres negras (14,2%) e indígenas, que quase não aparecem nessa visualização (eles possuem, entre homens e mulheres, apenas 118 candidatos em todo o país).
Partidos políticos
O estudo também aponta que os partidos políticos "menores", os que são mais ligados a agendas socialistas ou operárias, como PCB, PCdoB, PCO, PSTU e Psol são os que mais apresentam pretos e pardos entre os candidatos. Nos partidos maiores, que dominam o financiamento de campanha, o destaque no número de candidaturas de negros fica com o PT, que tem 41,9% deles do total de candidatos, e com o PSB, que possui 47,7%. O PSDB aparece com 32,8%, e o PMDB, com 26,5%.
Em relação à faixa etária dos candidatos, os jovens com até 29 anos representam apenas 6,8% das candidaturas, quando a proporção na população é de 51%. Entre eles, 45,4% são negros e 52,3% são mulheres.
Uma outra observação sobre os indígenas é que, além de serem hoje praticamente invisíveis no processo eleitoral, os que concorrem a uma vaga nas eleições pleiteiam espaço apenas para deputado estadual e federal. Nenhum deles postula vaga a governador, a senador ou a vice-governador.
Subrepresentação indígena
O estudo constata ainda que, mesmo se eleitos, os indígenas tendem a ser subrepresentados no Congresso Nacional e a ter dificuldades para aprovar matérias de promoção efetiva dos seus direitos devido à influência de setores do agronegócio e da mineração.
“Essas informações sobre as candidaturas serão cruzadas com os resultados das eleições e pretendemos embasar uma discussão por cotas nas eleições, além da já existente para as candidatas mulheres, envolvendo outros grupos. Muita gente acha que o percentual de 44% para negros não é tão baixo, por exemplo, mas precisamos ver o comportamento dos partidos em relação a esses candidatos durante as eleições. Os poucos espaços que eles conseguem nos guias eleitorais em relação aos outros candidatos, e o tratamento dado pelas legendas a eles”, afirmou Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.
A pesquisadora Tatiana Dias, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), destacou que o estudo é consequência de uma reflexão antiga que permitirá o debate sobre quais são os mecanismos que dão a esses candidatos menor êxito eleitoral. “Precisamos ver quais os instrumentos com que o racismo vai habitar nessa trajetória, para que tenhamos espaço”, ressaltou.
De acordo com a pesquisadora, além da população indígena praticamente não ter representação no parlamento brasileiro, as mulheres negras figuram no fim da fila e os candidatos negros do sexo masculino têm muito menos atenção nas candidaturas do que os candidatos brancos.
Ações afirmativas
“Os dados mostram a clara exclusão existente na nossa sociedade, que é sentida também nessas candidaturas, mesmo com esses grupos figurando entre os maiores eleitores. Também ressaltam a importância das ações afirmativas implantadas até então. Se não existisse uma cota para mulheres candidatas, esse quadro seria bem pior”, acrescentou.
Para Guacira Oliveira, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), os resultados obtidos constatam a necessidade de se fazer uma reforma do sistema político o quanto antes. “Quando olhamos para esse trabalho, a primeira evidência é de que o atual sistema político não nos interessa. Ele é incapaz de responder às lutas que estamos travando. Durante o último ano da ditadura, o parlamento brasileiro tinha 1,8% de mulheres. Na promulgação da Constituição de 1988, existiam 5,3 de mulheres e hoje temos 8,9% de mulheres. Que crescimento foi esse? E estamos destacando só um grupo das minorias”, disse ela.
Guacira Oliveira afirmou que “todas as medidas tomadas ate aqui, apesar das leis, do estabelecimento de um percentual de cota para candidaturas femininas, só comprovam que o sistema político funciona para excluir”. Ela concluiu observando que a atual situação se mostra "racista e patriarcal."
O representante do Inesc José Antonio Moroni acrescentou que, a partir de agora, a entidade pretende fazer uma série histórica. O objetivo, com esse primeiro trabalho, foi informar à sociedade sobre a importância de observar as desigualdades raciais e de gênero quando escolher um candidato ou candidata. "Queremos provocar e ampliar o debate sobre estas desigualdades, de forma a mostrar quem, de fato, pretende governar o Brasil a partir do próximo ano. É isso que está em jogo”, destacou.