O Bolsa Família, o Bolsa Empresário e o Bolsa Banqueiro (Imagem: Pragmatismo Político)
O “
Bolsa Família”, considerado o maior programa de transferência de renda com condicionalidades em operação no mundo, ganhou enorme destaque nas
eleições presidenciais de 2014. O programa foi alvo de discussão em praticamente todos os aspectos relevantes. Entre outros, foram abordados os seguintes temas, invariavelmente de forma apaixonada ou incisiva: a) quantidade de beneficiários; b) volume de recursos empregados; c) evolução ou crescimento dos beneficiários; d) distribuição geográfica dos beneficiários; e) condicionalidades envolvidas e f) relação entre o programa e os resultados eleitorais.
Segundo o governo federal, “o Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o país. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria, que tem como foco de atuação os milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 77 mensais e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos.
O Bolsa Família possui três eixos principais: a transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza; as condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social; e as ações e programas complementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade.
Todos os meses, o governo federal deposita uma quantia para as famílias que fazem parte do programa. O saque é feito com cartão magnético, emitido preferencialmente em nome da mulher. O valor repassado depende do tamanho da família, da idade dos seus membros e da sua renda. Há benefícios específicos para famílias com crianças, jovens até 17 anos, gestantes e mães que amamentam.
A gestão do programa instituído pela Lei n. 10.836/2004 e regulamentado pelo Decreto n. 5.209/2004, é descentralizada e compartilhada entre a União, estados, Distrito Federal e municípios. Os entes federados trabalham em conjunto para aperfeiçoar, ampliar e fiscalizar a execução”.
Praticamente passaram “
intocados” no debate eleitoral três outras relevantes fontes de bilionários gastos públicos. Esses dispêndios são caracterizados, inúmeras vezes, como “
Bolsa Empresário” e “
Bolsa Banqueiro”. O “
Bolsa Empresário” foi construído no âmbito do
BNDES. Confira:
Os empréstimos do Tesouro aos bancos públicos, especialmente BNDES, pularam de R$ 14 bilhões para R$ 438 bilhões. Como o Tesouro se endivida a uma taxa muito maior do que vai receber, o subsídio escondido nessa operação já é de R$ 24 bilhões por ano. Esse é o tamanho do “bolsa empresário”, que é equivalente à Bolsa Família. E o BNDES está neste momento pedindo mais empréstimos ao Tesouro. Não custa lembrar a presença “inocente” de grandes beneficiários de empréstimos do BNDES como destacados financiadores de campanhas eleitorais em todos os níveis, notadamente para o cargo de Presidente da República.
A expressão “
Bolsa Banqueiro” foi amplamente utilizada por Plínio de Arruda Sampaio, candidato do
Psol à Presidência da República em 2010. Retrata o pagamento do serviço da dívida pública (juros, “amortizações” e encargos). A montanha de dinheiro envolvida é obtida, via tributação, do conjunto da sociedade, notadamente assalariados e consumidores, e transferida por intermédio do “sistema da dívida” (ou “bolsa banqueiro”) para um pequeno e seleto grupo de privilegiados.
Esse mecanismo, notadamente pelo seu porte, subtrai vultosos recursos de investimentos estratégicos e de políticas públicas voltadas para a efetivação dos direitos sociais (
art. 6º da Constituição).
Existe, ainda, o “Bolsa Banqueiro” para formação e ampliação das reservas internacionais. Veja: O responsável pelo termo Bolsa-Banqueiro é o professor da Faculdade de Economia e Administração da USP Simão Silber. Ele refere-se ao custo do governo para continuar acumulando reservas internacionais (hoje em US$ 352,5 bilhões). Para Silber, o grande beneficiado, hoje, da política do governo de continuar comprando dólares é o sistema financeiro, uma vez que o montante atual é mais do que suficiente para proteger o país de crises.
Ele e outros economistas lembram que, em 2008, quando explodiu a crise global, o Brasil tinha menos de US$ 210 bilhões em reservas, dinheiro que se mostrou suficiente para atravessar a grave turbulência.
Nos cálculos do economista e consultor Amir Khair, ex-secretário de Finanças do município de São Paulo, o país gasta hoje entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões por ano para manter e acumular as reservas.
O custo resulta da diferença entre os juros com que o governo remunera os títulos públicos nacionais (Selic) e a rentabilidade das reservas, aplicadas principalmente em papéis emitidos pelo Tesouro dos EUA. Isso só ocorre porque o governo brasileiro não compra os dólares das reservas com superávit fiscal. Ele precisa endividar-se para fazê-lo.
Observe, para o ano de 2013, os volumes aproximados de gastos públicos relacionados com as “bolsas” antes destacadas:
Bolsa família – R$ 24,5 bilhões
Bolsa empresário – R$ 24 bilhões
Bolsa banqueiro – reservas R$ 55 bilhões
Bolsa banqueiro – serviço da dívida R$ 718 bilhões
Acredito que consciente, ou inconscientemente, as classes médias tradicionais reconhecem que são os principais financiadores, pelo caminho da tributação, dos escândalos de corrupção e dos vários mecanismos de transferência de renda para os segmentos mais necessitados (Bolsa Família, programas habitacionais, aposentadoria rural, etc). A “conta” deveria ser paga pelas abonadas elites socioeconômicas.
Entretanto, esses segmentos privilegiados da sociedade sabem defender seus interesses e o aumento das suas rendas e de suas “bolsas” (de sua “fatia no bolo”). Sobra, literalmente sobra, para as classes médias tradicionais e para o conjunto dos assalariados/consumidores. Qual, por outro lado, a razão para a ocultação midiática (quase total) das outras “bolsas”?
Creio que a grande mídia, com nível de concentração econômica praticamente sem paralelo no mundo, deliberadamente esconde as “bolsas” dos ricos e explora de forma vil a “bolsa” dos pobres. Assim, a iníqua estrutura de mídia em vigor no Brasil contribui, como é sua “missão”, para sustentar uma das sociedades mais desiguais e excludentes do planeta.
Portanto, para além do modelo socioeconômico vigente no Brasil e no mundo, de produção coletiva e apropriação privada de riquezas, com níveis maiores ou menores de selvageria, convivemos com a “captura” de “espaços” públicos e governamentais para garantir os interesses mais mesquinhos de determinados setores dominantes e privilegiados pela via de mecanismos institucionais em várias áreas (economia, tributação, finanças públicas, prestação de serviços públicos, ocupação do espaço urbano, etc). As três últimas “bolsas” aludidas (“empresário” e “banqueiro”, em suas duas modalidades) estão claramente inseridas nesse perverso contexto.
Somente a educação política em larga escala e a mobilização crescente da juventude, dos trabalhadores e das classes populares e médias consequentes poderão construir um ambiente propício ao desmonte dessas aberrações institucionais.
A concretização de uma sociedade livre, justa e solidária, preconizada até no texto da
Constituição de 1988, não cairá do céu e nem será uma concessão simples e fácil das elites socioeconômicas. Transformações profundas de nossa perversa realidade social serão resultados de muito esforço e muita luta.
Nessa caminhada, será preciso arregaçar as mangas e “apurar” os neurônios…